Uma ampla proposta de reforma da Previdência Social, elaborada por especialistas sob coordenação do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, foi entregue no último domingo ao governo eleito. São um projeto de emenda constitucional (PEC) e quatro projetos de lei complementar, que desconstitucionalizam grande parte das normas, preservando no texto da Carta de 1988 apenas os princípios gerais. A proposta cria o regime de capitalização com implementação gradual para novos entrantes, faz uma reforma paramétrica no sistema atual e introduz o benefício universal a que todos terão direito a partir dos 65 anos. A renda básica dos idosos será de 70% do salário mínimo, corrigida anualmente pela inflação.
Arminio chama a atenção para o custo da Previdência no país, que, confrontado com o de países de demografia semelhante, "deixa claríssimo que o nosso sistema está fora da curva". Parte do problema, segundo ele, é que" a nossa Previdência é repleta de distorções que precisam ser corrigidas por razões de justiça social".
Para os novos entrantes, nascidos a partir de 1º de janeiro de 2014, a ideia é dar início ao regime de capitalização que conviverá com o de repartição. A camada de capitalização será criada progressivamente até 2040 e equivalerá a 70% do teto do Regime Geral de Previdência Social. Faculta, também, ao trabalhador transferir parte do FGTS para a sua conta individual. O custo da migração, um dos fatores mais preocupantes do regime de capitalização, é bastante razoável: R$ 11,7 bilhões no acumulado de 2030 a 2040.
À criação da nova Previdência se associa a reforma do regime atual. Mais austera do que a PEC 287, já aprovada na Comissão Mista da Câmara dos Deputados, a proposta reduz em R$ 1,273 trilhão a despesa com Previdência nos próximos dez anos, cifra mais ambiciosa do que os R$ 800 bilhões da proposta original do governo Temer.
Os autores sugerem idade mínima de 65 anos para todos, homens e mulheres. O que difere é o prazo da transição: para professores, é de 15 anos; funcionários públicos e trabalhadores rurais, de dez anos; e homens e mulheres, por tempo de contribuição, 12 anos. As exceções são policiais civis e agentes penitenciários, com idade mínima inicial de 55 anos passando a 60 em dez anos.
São unificadas as regras das aposentadorias dos trabalhadores do setor privado (RGPS) e do funcionalismo (RPPS). Agentes públicos como parlamentares, prefeitos, governadores e presidentes da República serão submetidos ao regime geral dos trabalhadores do setor privado.
Outras mudanças importantes são: criação de regime próprio para as Forças Armadas sem idade mínima; desindexação dos benefícios à variação do salário mínimo, que se aprovada seria a quebra de um tabu; e instituição de benefício universal para todos os brasileiros a partir dos 65 anos, de 70% do valor do mínimo.
Essa "renda básica do idoso" substituirá o Benefício de Prestação Continuada (BCP), que seria extinto. Por ser universal, o benefício é imune a fraudes. Sugere, ainda, o fim da pensão por morte integral, que passa a ser de 60% mais 10% por dependente até o limite de 100%.
A acumulação de benefícios (pensão por morte e aposentadoria) passa a ser restrita. Até um piso previdenciário - que corresponderá a 70% do salário mínimo - a acumulação pode ser integral. De 1 a 3 pisos, cai para 80%, e assim por diante, até 40%, se o total superar oito pisos.
A proposta prevê ainda a extinção da Desvinculação de Receitas da União (DRU) referente à Seguridade Social, menciona a possibilidade de novas fontes de recursos para a seguridade social e determina a segregação de benefícios de risco.
Nos atos legais - uma PEC e quatro projetos de lei complementar - que acompanham o trabalho há a autorização para a implantação de uma alíquota previdenciária suplementar para o funcionalismo. Há limitação para essa cobrança temporária: a soma da suplementar com a alíquota básica que não pode ultrapassar 22% dos vencimentos dos servidores ativos, inativos e pensionistas. A alíquota deve ser progressiva.
O impacto na distribuição da renda desse conjunto de medidas é substancial. As simulações indicam que "a desigualdade de rendimento expressa pelo Índice de Gini seria reduzida em mais de 16%", atestam os autores.
A busca por maior justiça distributiva foi um dos pilares da proposta. Hoje os mais ricos se aposentam por tempo de contribuição aos 54 anos, em média. Os mais pobres se aposentam por idade, entre 60 e 65 anos.
É impressionante o salto do gasto previdenciário nos últimos 30 anos. A despesa, que correspondia a 3,4% do PIB em 1988, atingiu 14,5 % do PIB em 2017. Este é um quadro insustentável e seu peso no buraco das contas públicas é inegável. "Enquanto nos recusarmos a enfrentar o desafio previdenciário, a dívida pública subirá implacavelmente e asfixiará a economia", alertam os autores, A dívida bruta, que em 2014 era 56% do PIB, em 2017 já subiu para 74% do PIB. "Sem reforma não há futuro", constatam.
Com a PEC 287, do atual governo, a despesa crescerá para 16,88% do PIB em 2060. Se aprovada a essa nova proposta, ela cairá para 10,98% do PIB nesse prazo. O resultado do avanço da despesa pública em geral, e da Previdência em particular, é a queda dos investimentos em todo o país. Sem novos investimentos não haverá crescimento econômico nem expansão dos empregos.
Um dos temores é de que a tramitação de um novo projeto de reforma tenha que começar do zero. Haveria, porém, uma forma de contornar esse problema. A alternativa seria elaborar uma emenda aglutinativa, usando um recurso regimental que permite que o texto volte ao relator para que ele refaça o seu parecer. O novo relatório poderia incorporar as emendas apresentadas e outras que viessem a ser sugeridas. A comissão que aprovou a PEC 287 discutiria e votaria esse novo projeto. A avaliação de quem defende essa estratégia é de que ela não tomaria mais que três a quatro semanas.
FONTE: Jornal Valor Econômico Edição de 01/11/2018