O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais decidiu que os contratos de trabalho intermitente só podem ser usados pelas empresas em situações excepcionais - ou seja, não se prestam para atividades regulares, do dia a dia, que são previsíveis. Esse entendimento se deu na 1ª Turma, por unanimidade de votos, em um processo envolvendo o Magazine Luiza.
Os desembargadores anularam o contrato que havia sido firmado pela empresa e um funcionário contratado para a função de assistente de loja. Eles entenderam que tratava-se de um posto padrão de trabalho e, por esse motivo, determinaram que o Magazine Luiza deveria arcar com todos os custos de um contrato tradicional: salário mensal, horas extras e o pagamento integral de férias e 13º salário. O trabalho intermitente foi uma das novidades da reforma trabalhista (Lei nº 13.467, em vigor desde novembro do ano passado). O funcionário tem carteira assinada, mas não tem uma jornada de trabalho definida. Ele é convocado pela empresa para prestar serviço em dias alternados ou por algumas horas apenas e é remunerado somente pelo serviço que executou.
Direitos como férias e 13º salário são pagos de forma proporcional, assim como o FGTS, que tem de ser depositado pelo empregador na conta do funcionário na Caixa Econômica Federal (CEF) - nos mesmos moldes de um contrato tradicional pela CLT. A decisão do tribunal mineiro é a primeira do país que se tem notícia no sentido de especificar as situações em que o contrato pode ser aplicado e tem gerado polêmica entre advogados da área trabalhista (processo nº 0010454-06.2018.5.03.0097). Isso porque a lei em si não prevê as restrições das quais trataram os desembargadores da 1º Turma.
"Dois artigos regulam o trabalho intermitente, o 443 e o 452, e nenhum deles específica as situações ou determina que não possa ser usado para uma atividade contínua da empresa", contextualiza a advogada Thereza Carneiro, do escritório CSMV. "Essa decisão de Minas Gerais é um desestímulo às empresas. Se for replicada, certamente teremos, num futuro próximo, uma letra morta da lei", diz.
Para os desembargadores que julgaram o caso do Magazine Luiza, no entanto, a liberação indiscriminada do contrato intermitente pode ter como consequência a precarização dos direitos dos trabalhadores.
"Essa modalidade de contrato, por ser atípica e peculiar, assegura aos trabalhadores patamares mínimos de trabalho e remuneração, devendo então ser utilizada somente para situações específicas", afirma na decisão o relator, desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior. "É ilegal substituir posto de trabalho efetivo (regular ou permanente) pela contratação do tipo intermitente", acrescenta.
Apesar de essa ser uma primeira decisão sobre o assunto, há chances consideráveis, na visão de advogados, de o entendimento se consolidar. Especialmente porque os desembargadores de Minas Gerais citam, na decisão, que tal interpretação consta em um dos enunciados fixados no Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat).
A interpretação dos desembargadores, segundo Ricardo Calcini, professor de direito do trabalho, está correta. "É preciso entender porque o intermitente foi criado", diz. "A lei foi pensada para regularizar uma informalidade que existia no mercado, os chamados bicos, e não para substituir posto de trabalho padrão. Admitir essa substituição é admitir que as empresas não precisam ter empregados padrões", complementa.
Ele entende que as empresas devem se ater às questões de previsibilidade. Se a empresa precisa de um funcionário para executar uma função diária, com horário determinado, ela não pode se valer do contrato intermitente. Já se tratar de uma atividade que não estava prevista, ela pode. A linha é bastante tênue, de acordo com Calcini.
O professor exemplifica com a situação de um buffet que precisa contratar garçons a cada evento que realiza. "É previsível que vão haver eventos, mas não se sabe com certeza se serão de grande porte ou de pequeno porte, nem quantos funcionários serão necessários. O garçom, nesses casos, pode ou não ser chamado pela empresa", contextualiza.
Para o advogado Antonio Bratefixe, do Có Crivelli Advogados, essa discussão em torno da precarização dos direitos trabalhistas é muito parecida com a que se tinha nos casos de terceirização - em que a Justiça do Trabalho vetava esse tipo de contrato para a atividade-fim (principal) da empresa - e que já foi superada.
Ele diz que no caso do trabalho intermitente, especificamente, a legislação prevê regras para que não haja a precarização. Cita por exemplo, que a empresa deve convocar o funcionário para o trabalho com três dias de antecedência pelo menos e que o trabalhador pode recusar, sem que isso configure insubordinação.
Chama a atenção ainda que o funcionário é livre para trabalhar também em outros lugares. "Um fim de semana em um hotel, por exemplo, e o outro fim de semana em outro hotel", detalha. E, além disso, há parâmetros para a remuneração. O pagamento não pode ser menor que a diária do salário mínimo e o funcionário não pode receber menos do que os colegas que exercem a mesma função.
As empresas que estavam usando com mais frequência o trabalho intermitente, desde que a lei entrou em vigor, eram as do setor hoteleiro, da construção civil e do varejo. O Magazine Luiza foi um dos pioneiros na modalidade. Há estimativa de que a empresa tenha mais de três mil contratados dessa forma.
Ao Valor, o Magazine Luiza respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que "respeita incondicionalmente a legislação vigente e as regras impostas pela Lei nº 13.467". E acrescentou que, "por acreditar que a reforma trabalhista significa um avanço para o país", já está recorrendo da decisão.
Fonte: Jornal Valor Econômico, Edição de 13/12/2018.