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Pagamento em dinheiro ou cartão?

Tanto os Estados Unidos quanto o Brasil deixaram claras suas posições no tocante à diferenciação de preços, ao editarem normas que regulam a possibilidade de cobrança de sobrepreço nas compras efetuadas em cartão de crédito. Interessante, então, verificar as similaridades e diferenças existentes entre as abordagens jurídicas sobre a matéria nos dois países.

A Suprema Corte norte-americana decidiu recentemente o caso Expressions Hair Design v. Schneiderman, ajuizado por comerciantes que desafiaram o §518 da New York General Business Law, que prevê que "[nenhum] vendedor, em qualquer transação comercial, pode impor sobrepreço nas compras pagas em cartão de crédito", alegando que a lei viola a Primeira Emenda por regular como devem informar seus preços e que a mesma é inconstitucionalmente vaga perante a Cláusula do Devido Processo Legal prevista na Décima Quarta Emenda.

É sabido que sempre que um consumidor utiliza cartão de crédito para realizar uma compra, o comerciante sofre a cobrança de uma taxa administrativa. No intuito de compensar tal custo, alguns comerciantes procuram desencorajar o uso de cartão de crédito ou, pelo menos, transferir tal ônus aos clientes por meio da diferenciação de preços. A contestadaa lei nova-iorquina proíbe a cobrança de sobrepreço nas transações comerciais efetuadas com cartão, embora permita a concessão de descontos caso o pagamento seja realizado em dinheiro.

Em 2013, a Corte Distrital decidiu favoravelmente aos comerciantes ao concluir que o §518 regula a liberdade de expressão e viola a Primeira Emenda, segundo a doutrina da "commercial speech". Em acréscimo, a Corte Distrital considerou a lei nova-iorquina inconstitucionalmente vaga, porque se voltou praticamente à incompreensível distinção entre o que o vendedor pode ou não pode dizer aos seus clientes. Em 2015, a Corte de Apelação do Segundo Circuito reverteu o julgamento da Corte Distrital e adotou orientação contrária aos interesses dos comerciantes. Sustentou, na ocasião, que a lei não desafiou a Primeira Emenda, porque regulou a conduta de controle de preços e não a liberdade de expressão. Nesse sentido, não determinou se o §518 macula ou não a Primeira Emenda.

A Suprema Corte, porém, revisando o julgamento da Corte de Apelação, asseverou que "a Seção 518 não é típica regulação de preço, mas regula como os vendedores podem informar seus preços e, ao regular a comunicação de preços ao invés dos preços propriamente ditos, a Seção 518 regula a liberdade de expressão". Em razão disso, embora tenha reconhecido que a Seção 518 não seja vaga, anulou a decisão recorrida e reenviou o caso à Corte de Apelação a fim de que a mesma determine se a Seção 518, como regulação da liberdade de expressão, subsiste ao exame de constitucionalidade frente à Primeira Emenda.

No Brasil, as Cortes e os órgãos de proteção ao consumidor entendem, de modo geral, que a diferenciação de preços na forma de pagamento é ilegal. Todavia, a possibilidade de impor sobrepreço nos pagamentos efetuados mediante utilização de cartão de crédito é agora posta em dúvida por conta da Medida Provisória (MP) nº 764/2016, editada pelo Presidente Michel Temer, e convertida na Lei nº 13.455/17 pelo Congresso, que autorizou a diferenciação de preços de mercadorias e serviços ofertados ao consumidor e dependentes do método de pagamento.

A Exposição de Motivos da MP indica que a diferenciação de preços é um importante mecanismo para melhor medir o valor dos produtos e serviços, e prover relevantes benefícios aos consumidores. A MP, porém, se afasta das regulações até então vigentes que proibiam a incidência de sobrepreço nas transações com cartão de crédito, tais como a Portaria 118/1994, do Ministro da Fazenda, e a Resolução 34/89, do extinto Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. A MP também supera precedentes judiciais relativos à diferenciação de preços. Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no REsp nº. 1.610.813/ES que o sobrepreço é uma prática abusiva do comerciante.
 
Apesar das várias regulações e da existência de órgãos de proteção do consumidor tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, as proteções legais diferem de um país para outro, não podendo ser de outra forma, como sugere Savigny, porque a lei é situada no reino social da vida e da cultura.

De acordo com Luciano Maia, no modelo norte-americano, a proteção da concorrência é vista como uma fundamental ferramenta para proteção do consumidor, enquanto que no modelo brasileiro consumidor e sistemas de proteção da concorrência atuam totalmente separados. Tem-se, ainda, que a proteção brasileira ao consumidor possui perfil mais paternalista. . Essas particularidades reduzem no país as discussões libertárias sobre direitos dos comerciantes, inclusive de livre expressão.

Embora os debates relativos ao sobrepreço no Brasil e nos Estados Unidos sejam similares e possam ser reciprocamente informados, algumas relevantes premissas relacionadas aos direitos dos consumidores são significativamente diferentes.
 
Por,  Antonio Sepulveda, Henrique Rangel e Igor de Lazari

Jornal Valor Econômico, Edição 30 de junho de 2017

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